Sobreviventes da tragédia da boate Kiss pedem empatia à comunidade e relembram das dores e das perdas

Eduarda Paz

Sobreviventes da tragédia da boate Kiss pedem empatia à comunidade e relembram das dores e das perdas
Jéssica Montardo Rosado, Kelen Ferreira e Delvani Brondani Rosso. (Fotos: Divulgação)

Uma década depois do dia 27 de janeiro de 2013, que interrompeu 242 vidas e deixou mais de 600 pessoas feridas, as marcas da tragédia da boate Kiss são sentidas na essência da cidade, como se Santa Maria fosse, por meio das estruturas, dos locais e das ruas, a personificação dos sobreviventes e dos familiares. Os sobreviventes, a bacharel em direito Jéssica Montardo Rosado, o técnico em prótese dentária Delvani Brondani Rosso, e a terapeuta ocupacional Kelen Ferreira, contaram como é viver dia a dia com a tragédia. 

Durante os 10 anos, os comentários em redes sociais aumentaram cada vez mais, de pessoas pedindo para familiares, sobreviventes e para a mídia “parar de mexer na dor”. Mas, quem viveu o dia 27 de janeiro de 2013 diz não conseguir esquecer. A data sempre vai estar marcada e as memórias nunca serão esquecidas. Jéssica, 34 anos, é sobrevivente e perdeu o irmão, o estudante de Educação Física Vinícius Montardo Rosado, aos 26 anos. Delvani, 30 anos, foi salvo pelo próprio irmão, Jovani, e leva no corpo e na memória as cicatrizes daquele dia. Kelen teve 18% do corpo queimado e precisou amputar a perna.

– Para nós, não é uma opção esquecer, não temos essa escolha. Mesmo quem perdeu alguém, ou é sobrevivente, e não participa das atividades, ou não está mais em Santa Maria, sempre vai lembrar. A data é marcada. E eu, Jéssica, sempre falei com muito carinho sobre a tragédia, porque eu quero que não se repita. Precisamos falar sobre prevenção, não apenas em casas noturnas. E precisamos de empatia de quem não vivenciou aquela noite. 

Jéssica, quebrou uma costela na queda, ao tentar sair da boate. O irmão Vinícius tinha sido visto fora do local, porém voltou para ajudar no resgate de outras pessoas. Por volta das 7h30min, o irmão foi encontrado morto perto da porta da boate. Atualmente, ela atua no direito do agronegócio. Sempre trabalha muito para que os jovens conheçam a história da tragédia e cuidem em qualquer lugar se tem o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI).

A luta é pelas 242 vítimas

A terapeuta ocupacional Kelen tem a história contada na minisérie Todo Dia a Mesma Noite, da Netflix. No período de produção do livro, de mesmo nome, da autora Daniela Arbex, Kelen não aceitou participar por não querer ser reconhecida como um exemplo de superação. A sobrevivente tinha 19 anos, quando foi transferida para Porto Alegre, e ficou 78 dias internada. Em 2020, quando recebeu, novamente, o convite para participar do documentário, decidiu que estava na hora de mostrar a própria trajetória.– Desde que completou um ano eu sempre li, “deixem eles descansarem”. Mas as pessoas precisam entender que a luta é pelos que se foram, pelas famílias e para que não aconteça. Eu demorei sete anos para começar a usar roupa curta na rua, tinha medo dos julgamentos. Depois, comecei a entender que tudo é um processo. Por isso, o documentário é de extrema necessidade, para que as pessoas entendam que nunca foi por vingança, como falam.

Há cinco anos, Kelen atua no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) atendendo pacientes adultos. Futuramente, quer trabalhar na parte de queimados e de amputados.

Ponto final

Todos os dias, Delvani olha para as marcas espalhadas pelo corpo, e elas não o deixam esquecer aquela noite. Mas, o ajudam a encarar os desafios cotidianos e fazem lembrar da luta e da força que precisou ter para estar vivo hoje. O técnico em prótese dentária, quando depôs no julgamento em dezembro de 2021, relembrou que, ao tentar sair com os amigos do interior da boate, as luzes se apagaram. No meio da situação, pensou que não ia mais conseguir sair e, ao começar a cair, foi despedindo-se dos familiares, dos amigos e pedindo perdão. O irmão, Jovani, conseguiu sair, atar uma camiseta ao redor do nariz e voltar para salvar mais jovens, entre eles Delvani.

Segundo Delvani, algumas pessoas acreditam que os sobreviventes e os familiares querem vingança, mas nunca foi esse o intuito e sim resgatar a memória daqueles que tiveram as vidas interrompidas. – Com o julgamento, isso seria o começo, e não o ponto final. Então, eu ainda tenho a esperança de colocar um ponto final em tudo isso.

Delvani mora em Santa Maria e atua em um laboratório de próteses dentárias. Ele busca aperfeiçoar-se para começar a dar palestras, em escolas e instituições, para transmitir a visão de superação a outras pessoas.   

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